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Obstipação - na Insuficiência Renal

Atualizado: 27 de jul. de 2022


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Rodin's "The Thinker" in the Rodin Museum in Paris. /Public domain

Tópicos abordados:


- prevalência

- definição

- importância

- diagnóstico

- tratamento


A obstipação é um sintoma que tem origem maioritariamente de forma secundária (por exemplo em consequência da diabetes, da doença renal crónica, do sedentarismo) e tem uma prevalência de cerca de 30% na população geral.


Esta prevalência é maior em contexto de doença renal crónica - dependendo do critério usado na contabilização ronda os 30 - 60 % em população de diálise, sendo tendencialmente mais prevalente na sub-população hemodiálise, versus diálise peritoneal.


Por vezes é um sintoma incapacitante, por vezes apenas causa mal estar físico e psicológico, por vezes pode estar associado a uma consequência primária até então desconhecida mas importante.


De qualquer das formas é um sintoma que não se deve menosprezar ou negligenciar, e qualquer alteração a este respeito deve ser partilhado abertamente com a equipa clínica.


Existem vários fatores de risco:


- disbiose (alterações da comunidade microbiana intestinal)

- medicações (ex: captadores de fósforo e de potássio; antidepressivos; etc)

- patologias (ex: diabetes mellitus, neuropatia autonómica, doença cerebrovascular, a própria doença renal crónica)

- dieta mal estruturada

- atividade física diminuída e sedentarismo

- outros: IMC alto, género feminino, idade avançada


Importância


Porque é importante reportar, analisar e tratar este sintoma?


Por vários motivos.


1) A obstipação pode sinalizar algum problema "a montante" do sintoma;


2) A obstipação por si afeta significativamente a qualidade de vida da pessoa;


3) A obstipação em doentes renais crónicos ainda com função renal residual pode potencialmente acelerar a progressão da doença;


. através do favorecimento da formação de tóxicos urémicos intestinais


4) A obstipação e o trânsito lento podem favorecer a hipercaliémia;


. visto que na DRC a regulação/excreção do excesso de potássio dietético é em 80% de responsabilidade intestinal


5) a obstipação está significativamente e independentemente associada a mau prognóstico cardiovascular.


Definição


A Obstipação é geralmente definida de forma pouco técnica como:


"o sintoma que se manifesta pela dificuldade de evacuação (disquezia) e diminuição significativa da frequência normal de evacuação."


Considera-se um funcionamento intestinal saudável quando ocorre sem dificuldade subjetiva e pelo menos três vezes por semana. E considera-se clinicamente como obstipação quando ambas estas variáveis - e não apenas só uma - se alteram por mais de 3 meses.


Quando isto acontece (dificuldade + irregularidade), deve iniciar-se uma investigação médica sobre as suas causas e classificação.


Classificação:


A obstipação pode então ser classificada em primária (quando tem etiologia ou origem local) ou em secundária (quando é consequência de outra etiologia médica).


Sendo a primária sub-classificada em:


1) trânsito normal (também designada: obstipação funcional),

2) trânsito lento e

3) disfunção anoretal (anatómica ou fisiológica).


Epidemiologicamente: ~60% obstipação funcional; ~5% obstipação idiopática/intratável/com desregulação do peristaltismo; ~25% obstipação trânsito lento; ~10% obstipação secundária.


Na população geral a classificação mais prevalente é a obstipação de trânsito normal também chamada obstipação funcional, e em DRC (doença renal crónica) também é frequente a obstipação primária de trânsito lento.


Dois termos importantes de diferenciar: Trânsito vs Frequência


Considera-se "trânsito normal" = até 5 dias, e considera-se "trânsito lento" quando o trânsito do conteúdo gástrico é mais demorado que 5 dias. Considera-se "frequência normal" desde 3x/dia a 3x/semana.



. Os critérios de diagnóstico da obstipação funcional ROME IV

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. E a classificação visual BSFS (Bristol Stool Form Scale)

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Diagnóstico


  • Para começar devemos confirmar a ausência de uma etiologia secundária - que caso presente deve ser dada prioridade médica com vista à melhoria dessa etiologia (e dos fatores a jusante que inclui a obstipação). Possíveis causas secundárias:


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Harrison's pim 2022

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Krause's FNCP 14ed

Há suspeita para esta via de diagnóstico quando a sintomatologia da obstipação inclui o fator dor e/ou quando é identificada alguma prescrição medicamentosa causal. Aqui podem-se efetuar exames de colonoscopia, entre outros.

  • Deverá também ser analisada a história clínica do paciente e análises recentes.

Confirmar potencial hiperparatiroidismo, hipercalcemia, hipocaliémia, hipomagnesémia, hiperglicemias, eficácia e prescrição dialítica; entre outros.


Descartando-se a etiologia secundária, deve ser confirmada através de inquérito alimentar e da análise dos ganhos de peso inter-dialíticos se há fatores dietéticos que podem estar a favorecer a sintomatologia.


Como sejam: aporte insuficiente de fibra; aporte demasiado escasso de água; diabetes mal controlada; sedentarismo.


Tratamento:


Quando a etiologia é secundária, a caso específico terá de ser encaminado e seguido medicamente pela especialidade para se investigar a solução médica específica. Quando a etiologia é primária / local e ausente de dor:


A obstipação funcional ou de trânsito normal (dificuldade na evacuação) responde eficazmente a intervenções minimamente farmacológicas como sejam:


. aumento da ingestão de fibra dietética (como por exemplo mucilagem psilium; ou goma guar hidrolizada);

. aumento cuidado da ingestão de vegetais/sopa/fruta sob prescrição nutricionista);

. aumento da atividade física

. não ignorar o impulso evacuatório circadiano

. uso de agentes osmóticos


A obstipação de trânsito lento (trânsito menor que 5 dias + dificuldade na evacuação) responderá a laxantes mais agressivos. E intervenção cirurgia (colectomia subtotal com anastomose ileoretal) pode também ser estudada em alguns casos.


Já a disfunção anoretal resulta do mal-funcionamento ou 'laxamento' da musculatura pélvica e do esfíncter, que pode acontecer por exemplo em consequência da gravidez ou de um parto. Neste caso o uso de laxantes é ineficaz. Terapia de biofeedback é a prescrição mais ajustada e eficaz neste caso.



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A sick man stranded on the toilet after taking a laxative. Coloured etching after J. Sneyd after J. Gillray. Credit: Wellcome Library, London. Wellcome Images


Notas importantes sobre o uso de laxantes :


Deverá ser sempre desaconselhado o uso crónico de laxantes. Este uso pode causar desequilíbrios hidro-eletrolíticos; caimbras; habituação; danos histológicos.


Não existe ainda certeza científica sobre a segurança do uso crónico destes medicamentos, especialmente dos laxantes estimulantes, e portanto devem ser usados judicialmente.


É sempre contraindicação do uso destes medicamentos quando em situações de obstipação de etiologia obstrutiva; em contexto de intestino inflamado; impactação.


Os laxantes osmóticos não devem ser tomados sem concomitante ingestão de líquido - o que poderá ser desaconselhado a alguns doentes.


(Da mesma forma, suplementos de fibra dietética devem também ser acompanhadas por um aumento da ingestão de líquido, ou poderá ser incorrido aumento do risco de impactação.)


Também é importante referir que existem vários tipos de laxantes e há considerações específicas a ter quando em contexto de diálise que podem deixar o paciente confuso e incerto sobre o que pode ou não pode tomar. Em diálise devem-se evitar aqueles laxantes de composição significativa de magnésio, fósforo, potássio ou algum componente potencialmente tóxico e nefrotóxico.



E afinal como funcionam os laxantes ?


Existem basicamente 2 tipos de laxantes, classificados consoante o seu modo de ação e efeito:


. os osmóticos


. e os estimulantes


Os primeiros favorecem a retenção de água no intestino e consequente facilitação do trânsito intestinal. Os segundos estimulam o peristaltismo (as contrações musculares do intestino) facilitando assim também o trânsito intestinal.


Exemplos do primeiro tipo são:


. macrogol (Outros nomes: glicol polietileno; PEG; DulcoSoft®; Movicol®; Forlax®)


. lactulose (Outros nomes: Laevolcac® Ameixa)


. glicerina


Exemplos do segundo tipo são:


. antroquinonas (senósidos; Doce Alívio®; Sollievo Fisiolax®)


. bisacodilo (Dulcolax) ; Picosulfato de sódio (Gutalax®; Dulcogotas®)


Note-se que estes compostos mencionados atuam frequentemente por ambos os mecanismos de ação apesar de predominantemente por um deles.


E quais suplementos nutricionais de fibra podem ser benéficos?


No que toca à via de tratamento dietética podem ser benéficos os seguintes:


- mucilagem psilium (Agiolax® granulado)


- goma guar hidrolizada (Optifibra® Nestlé)


- alimentação inclusiva de quantidades controladas e não deficientes (nem excessivas) de vegetais, frutas e alimentos fermentados - como sejam: kefir, kombucha, iogurte, vinagre, etc. Deve consultar o nutricionista para confirmar as quantidades mais adequadas.


Quando se fala em fibra dietética falamos de um grupo de compostos-nutrientes que se encontram naturalmente nos alimentos e que são não-digeríveis e não-absorvíveis, porém (e por isso mesmo) com efeitos no cólon e no organismo. Estas encontram-se principalmente nos hortícolas, frutas e cereais integrais, caracterizam texturas mais fibrosas e duras aos alimentos regra geral, e incluem compostos como as celuloses, hemiceluloses, pectinas, gomas, ligninas, fibras amilosas, oligossacarídeos, entre outros. Daí que seja desaconselhado tanto o excesso de frutas/hortícolas (devido ao potássio) como também o seu défice.


A sua ingestão é considerada de um modo geral benéfica ao bom funcionamento gastrointestinal (podendo ter efeitos além sistema gastrointestinal) e a recomendação geral ao aporte deste nutriente é de 25g e 38g por dia para as mulheres e homens. A/o nutricionista pode ajudá-lo a perceber se a sua alimentação está aquém desta recomendação e se poderá ser benéfico adicionar um suplemento.


Em casos de mais difícil e demorada obstipação ou empactação/obstrução instestinal, poderão de ser necessárias soluções mais agressivas como enemas ou desimpactação mecânica no hospital.




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Refs:

- Constipation in chronic kidney disease: it is time to reconsider

https://rrtjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41100-019-0246-3

- Medical Management of Constipation
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3348737/

- Association between anthraquinone laxatives and colorectal cancer: protocol for a systematic review and meta-analysis

https://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-020-1280-5#:~:text=PROSPERO%20CRD42019125414-,Introduction,emodin%2C%20rhein%2C%20and%20sennosides.

- Use of macrogol 4000 in chronic constipation

https://www.europeanreview.org/wp/wp-content/uploads/1019.pdf

- Bisacodyl: A review of pharmacology and clinical evidence to guide use in clinical practice in patients with constipation

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/nmo.14123?af=R

- UpToDate2022

- Krause's Food & The Nutrition Care Process 4th ed. ELSEVIER


 
 

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