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Chá de Hipericão - Atenção às Interações com Medicamentos

Atualizado: 18 de abr.


São João, O Baptista: "St. John the Baptist Preaching in the Wilderness" (c. 1760s) - by Anton Raphael Mengs (1728–1779) - Em: The Audrey Jones Beck Building, Gallery 218 (CC Public Domain)




RESUMO

A Erva-de-São-João, também designada de Hipericão, é um ingrediente muitas vezes utilizado na alimentação portuguesa, geralmente em forma de chá.

É um ingrediente composto por vários constituintes naturais que têm potencial benéfico antioxidante, mas que também têm potencial negativo de interagir com vários tipos de medicações usadas atualmente, inclusive no contexto clínico de insuficiência renal.

O hipericão pode diminuir o efeito de algumas medicações, reduzindo potencialmente o benefício pretendido pela prescrição da mesma.

Essencialmente, qualquer pessoa que faz algum tipo de medicação (seja insuficiente renal ou não) deve informar-se - e informar o seu médico - antes de tomar chá ou algum suplemento de hipericão.



 

INTRODUÇÃO


Este artigo vai falar sobre um ingrediente presente não infrequentemente na alimentação portuguesa (mais comumente na forma de chá) e que pode ser prejudicial caso seja tomado por alguém que já faça alguma medicação cuja combinação pode criar interferência.


Mais especificamente a combinação pode resultar em um efeito menos potente/prolongado de algumas medicações, alterando o efeito pretendido pelo médico que a prescreveu.


Falamos da Erva-de-São-João, também conhecida por Hipericão, e é o objetivo deste artigo informar sobre as suas interações conhecidas com algumas medicações e perceber o 'porquê e quando' é necessário ter cautela antes de decidir tomar este ingrediente.


Qualquer pessoa, insuficiente renal ou não, que toma algum tipo de medicação deve ter em atenção em se informar antes de tomar chá de hipericão ou outra variedade dessa planta como seja em forma de suplemento ervanário.


De particular interesse ao insuficiente renal é a evidência da interação com algumas medicações frequentemente utilizadas neste contexto clínico, como sejam a ciclosporina, tacrolimus, loperamida, varfarina, verapamil, entre outros.


 

" Hyperforin, a constituent of St. John’s wort, is a potent ligand for a nuclear receptor that regulates the expression of cytochrome P450 3A4 monooxygenase. This enzyme is involved in the oxidative metabolism of greater than 50% of pharmaceutical medications. "

https://doi.org/10.1053/ajkd.2001.28617

 

Flor da Erva-de-São-João. Comumente também chamada de «hipericão» ou «milfurada»

O NOME DA PLANTA


O nome comum «Erva-de-São-João» alude à altura do ano em que a planta floresce que coincide com o período junino da comemoração do dia de São João - por fins de Junho portanto, no solestício do Verão.


A tradução em inglês é Saint John's Wort. E o nome botânico da planta é "Hypericum perforatum", de onde vem a designação de Hipericão.


PORQUE É TÃO USADA A PLANTA


Ao que parece a planta é usada já desde a antiguidade e encontra-se no vocabulário popular pelo menos desde o tempo dos Romanos circa séc. I a.C., de quando se conhece as primeiras referências à planta e às suas propriedades místicas, e de cicatrização de feridas e queimaduras.


Na sabedoria popular atual os benefícios apregoados são relativos à melhoria de estados psiquiátricos depressivos e efeitos anti-inflamatórios.


Hoje sabe-se de uma perspetiva mais cientifica que a planta contém vários componentes bio-ativos potencialmente benéficos ao campo psiquiátrico, e por outro lado contém outros componentes que têm potencial de interação negativo com medicações - diminuindo os efeitos destas - algo potencialmente perigoso e não pretendido aquando da prescrição do médico.


Apesar de a maior parte desta evidência advir de experiências com suplementação de hipericão cuja dose pode diferir e ser maior do que a da toma em formato de chá, alguma evidência também há em relação à existência de interações com toma do chá (imagem em anexo).


Exemplo 1:

Exemplo 2:


Sobre os potenciais benefícios a evidência não é de momento ainda suficiente para se poder afirmar cientificamente e de forma definitiva qualquer benefício; apesar de existirem alguns estudos de boa qualidade - revisões com estudos com grupos de controlo e randomizados que registam efeitos positivos e comparáveis a medicações farmacêuticas.


(os potenciais benefícios estudados cingem-se à depressão; síndromes de somatização; e sintomas da menopausa).


Exemplo 3:


 


Nota importante :


Não obstante as informações anteriores, qualquer prescrição de medicação ou suplementação deve, claro, ter em conta não só os potenciais efeitos positivos como os potenciais efeitos negativos, assim como o contexto clínico específico de cada paciente. Ou seja, mesmo que venha a ser demonstrado de forma robusta existir algum efeito positivo em alguns pacientes, o efeito pode não se manifestar em outros pacientes (com características e patologias diferentes), ou pode mesmo ser negativo em alguns. Cada caso é um caso, e só um profissional médico experiente poderá fazer a recomendação mais acertada. No caso desta planta, sabe-se que existem de facto interações que devem ser tidas em conta.


 

COMPONENTES ATIVOS DA PLANTA


Apesar de a planta conter vários componentes moleculares (como qualquer planta ou alimento) - como sejam as antroquinonas, flavonóides, floroglicinóis, taninos, outros fenóis, óleos voláteis, e outros - quer os efeitos (psiquiátricos) potencialmente positivos, quer os efeitos potencialmente negativos (das interações medicamentosas) parecem estar relacionados principalmente com 2 compostos da planta:


a hiperforina e a hipericina.


Nota técnica:


Pensa-se que os efeitos das interações medicamentosas se realizem por 2 principais mecanismos de ação,


1) indução das citocromo P450 (principalmente CYP3A4, CYP2E1, CYP2C19), e


2) indução da P-glicoproteína,


E consequentes influências nas farmacocinéticas das medicações também influenciadas por essas vias.


Exs: alprazolam e midazolam -> CYP3A4; omeprazole -> CYP2C19.


Para os efeitos anti-depressivos o mecanismo poderá estar relacionado com mecanismos de interferência / modulação da concentração de vários neurotransmissores do sistema nervoso.



Fogueira de São João (1912), por Nikolai Astrup, ilustra a celebração na Noruega da Festa de São João ou Festa Junina, que teve como principal tradição pagã, fogueiras para celebrar o solstício de verão, além de atributo ao pregador São João Batista, que, posteriormente, virou costume na Festa Junina. (@Wikipedia)

CONTRA-INDICAÇÕES


É desaconselhado a toma de hipericão em 3 principais casos:


- se toma alguma medicação com interação conhecida

(descritas em baixo)


- se em período de peri-operação cirúrgica

(risco alto versus potenciais interações ou efeitos desconhecidos)


- se em período de gravidez ou pós-parto

(ausência de evidência de segurança sobre toxicidade)



INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS CONHECIDAS


"As far as we today know, St. John's Wort represents the herbal product which is most involved in herb-drug interactions." Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations. AAPS J. 2009 Dec; 11(4): 710.

Segue a seguir algumas das mais relevantes interações medicamentosas conhecidas:


(lista mais compreensiva em anexo)


(regra geral, a interferência é a de diminuir a concentração / eficácia de outras medicações)


- Imunossupressores - Ciclosporina / Tacrolimus:

. diminui concentrações plasmáticas


- Broncodilatadores / Teofilina:

. diminui das concentrações plasmáticas


- Anti-coagulantes orais / Varfarina:

. diminui das concentrações plasmáticas / e INR


- SSRI's:

. efeito aditivo, risco de síndrome serotonérgico


- Nifedipina/Adalat®:

. induz metabolismo, aumenta subprodutos, diminui AUC


- Verapamil/Verelan®:

. antirrítmico, bloqueador canais Ca

. induz metabolismo, aumenta subprodutos, diminui AUC


- Simvastatina®:

. diminui concentrações plasmáticas


- Omeprazole; Esomeprazole/Nexium®:

. diminui concentrações plasmáticas


- Opióides: oxicodona, dextrometorfano, petidina:

. diminui concentrações plasmáticas



HISTÓRIA DAS FESTAS DE SÃO JOÃO E SEU PADROEIRO


Chris Lawton - chrislawton @Unsplash

Ao que parece, o Sr. São João terá sido um senhor judeu, pregador itenerante das regiões do médio oriente e do rio Jordão, nascido no ano 1 a.C. (1a.C. - 30 d.C.), e que espalhava a crença dos valores da Retidão e da Virtude.


Nessa sua missão messiânica ele usava o baptismo como simbolismo da purificação das almas de com quem se cruzava, tendo lhe sido por isso atribuído o cognome de São João "O Baptista". Diz-se que São João Batista terá batizado inclusive Jesus Cristo.


O final de Junho marca o início do verão na Europa e sempre foi uma época associada às colheitas, à fartura, à fertilidade. Um período de celebração. E era assim mesmo antes dos tempos em que o cristianismo aparecera no continente. Mas quando a Igreja se espalhava e se instituía, ela viu benefício em incorporar essas festas pagãs às suas tradições para converter mais pessoas.


A Bíblia por sinal refere o nascimento de São João Batista uns 6 meses antes de Jesus Cristo, então acabaram associados esses dois eventos: a comemoração do solestício de verão e a homenagem a São João.


Nasce assim a data que se perpetuou efeméride, o Dia de São João.


Uma curiosidade:


A história e simbologia dos martelinhos é, ao que parece, bem mais recente e nada relacionada com as místicas bíblicas, apesar de curiosa:


" Os martelinhos de São João foram criados no ano de 1963 pelo industrial Manuel António Boaventura, da Fábrica Estrela do Paraíso, em Rio Tinto, Gondomar, nos arredores da cidade do Porto. O objetivo inicial era apenas criar mais um brinquedo para adicionar à gama de que a fábrica dispunha. «O meu avô tirou a ideia a partir de um saleiro/pimenteiro que viu numa das suas viagens ao estrangeiro, porque o conjunto de sal e de pimenta tinha o aspeto de um fole, ao qual adicionou um apito e um cabo, mas que incorporou tudo num mesmo conjunto». "
"Por coincidência, nesse mesmo ano, em 1963, um grupo de estudantes universitários do Porto, dirigiu-se à fábrica com um pedido inusitado. «Abordaram o meu avô (o Sr. Manuel António Boaventura) com o intuito de lhes ser oferecido para a Queima das Fitas um brinquedo que fosse ruidoso», continua. E foi então que industrial sugeriu aquilo de que de mais ruidoso tinha: os martelinhos de plástico. «Foi um sucesso, com os estudantes a darem todo o dia ‘marteladas’ uns nos outros, tendo logo os comerciantes das lojas citadinas do Porto encomendado martelinhos para as Festas de São João a realizar poucas semanas depois»"
"Nesse ano o stock era pouco, mas no ano seguinte os martelos já foram vendidos em grande força para as festividades sanjoaninas."
"Martelinhos de S. João Uma tradição com mais de meio século" (artigo por: Joaquim Gomes - sol.sapo.pt)

Mais uma curiosidade:

Ao que parece, a certa altura os martelinhos foram oficialmente proibidos. Isso aconteceu porque o Governador Civil do Porto e representantes governamentais argumentaram que estes eram contra-tradição, e impuseram uma multa de 70$ escudos (quando o salário médio rondava os 30$ escudos) a quem desobedecesse.


"Fazendo jus às suas matrizes liberais, de antes quebrar que torcer, «o povo do Porto não acatou esta decisão, continuou a utilizar os martelos de plástico para os seus festejos»."


Martelinhos de São João (www.vortexmag.net)

 


Refs / Anexos:


- https://www.uptodate.com/contents/clinical-use-of-st-johns-wort

- https://www.nccih.nih.gov/health/st-johns-wort

- https://examine.com/supplements/st-johns-wort

- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

- Drug interaction of herbal tea containing St. John's wort with cyclosporine. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12677367/ (imagem anexo)

- https://pt.wikipedia.org/wiki/João_Batista

- https://sol.sapo.pt/artigo/662814/martelinhos-de-s-joao-uma-tradicao-com-mais-de-meio-seculo (história dos martelinhos de saojoaninos)


"Consequently, all physicians should be aware that even herbal tea mixtures have the potential to affect the pharmacokinetics and pharmacodynamics of cyclosporine and possibly also other drugs that are subjected to CYP450 metabolism or P-glycoprotein transport."


Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

Herb–Drug Interactions with St John’s Wort (Hypericum perforatum): an Update on Clinical Observations (2009). www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2782080/

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