Impacto Sócio-Emocional da Hemodiálise nos Pacientes em Diálise
- Centrodial

- 9 de jun.
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por Enfª Marisa Dias, 5/2025, SJM

RESUMO
A insuficiência renal crónica (IRC) é uma doença progressiva que, em estágios avançados, exige terapia renal substitutiva, sendo que a hemodiálise surge como uma das opções mais comuns. A entrada em hemodiálise impacta profundamente a vida dos pacientes tanto a nível emocional e psicológico, quanto a nível social.
Este trabalho surge com objetivo de analisar as consequências sociais e emocionais da entrada em hemodiálise, abordando questões como a qualidade de vida, o suporte familiar e a adesão ao tratamento, assim como, o papel do enfermeiro na mitigação desses impactos.
INTRODUÇÃO
A IRC afeta milhões de pessoas em todo o mundo, sendo uma condição debilitante que altera significativamente a rotina e o bem-estar dos pacientes (Sesso et al., 2020). Caracteriza-se pela perda progressiva da função renal, comprometendo a capacidade dos rins de filtrar resíduos e regular o equilíbrio hídrico e eletrolítico do organismo. Nos estágios avançados, a IRC exige um tratamento substitutivo, como a diálise ou o transplante renal, para garantir a sobrevivência dos pacientes.
A hemodiálise surge como a modalidade mais utilizada e consiste num procedimento que visa a remoção de substâncias tóxicas e excesso de líquidos no sangue, através de um filtro artificial, realizado geralmente três vezes por semana em sessões que duram entre três a cinco horas cada.
Dados do Registo Nacional da Doença Renal Crónica de 2023 mostram que 8 em cada 10 portugueses com doença renal crónica avançada recorrem à hemodiálise. A idade média dos doentes em hemodiálise em Portugal foi de 68,5 anos neste mesmo ano. Cerca de 28% dos utentes têm mais de 80 anos e, cerca de 25% terão idades compreendidas entre os 40 e os 64 anos. A presença de jovens com menos de 40 anos é pouco significativa, rondando os 6%. 1

Independentemente da faixa etária, a transição para a hemodiálise é uma mudança grande na vida dos pacientes e exige adaptações físicas, emocionais e sociais. A dependência de um tratamento regular, as restrições hídricas e dietéticas e a diminuição da autonomia podem originar um grande sofrimento emocional e dificultar consideravelmente a interação social e laboral. Estudos indicam que muitos pacientes enfrentam sentimentos de ansiedade, medo, depressão e até, em alguns casos, comportamentos agressivos como resposta à frustração e à sensação de perda de controle sobre sua própria vida (Cukor et al., 2020).

IMPACTO SOCIAL
Como referido anteriormente, os pacientes submetidos à hemodiálise enfrentam limitações físicas e horários rigorosos de tratamento. A dependência do tratamento pode alterar a dinâmica familiar, gerando muitas vezes tensões e sobrecarga tanto do paciente como dos seus cuidadores. Os pacientes podem ter a sensação de perda de liberdade e sentir-se como um fardo para quem os rodeia, levando-os, por vezes, a um distanciamento social.
Para além de interferir com a sua participação em atividades sociais, pode também haver um impacto na atividade profissional (Finkelstein et al., 2019).
A frequência das sessões de hemodiálise e as limitações físicas e emocionais muitas vezes associadas, podem comprometer a capacidade laboral dos pacientes, resultando em dificuldades/conflitos no ambiente de trabalho, dificuldades financeiras e na necessidade de adaptações profissionais. Muitos relatam dificuldades na manutenção do emprego.
Ter um bom suporte familiar torna-se nestes casos essencial para minimizar essas dificuldades. Mas, neste contexto, os enfermeiros também desempenham um papel crucial.
Sendo o profissional mais próximo do utente em contexto de hemodiálise, este pode e deve, criar uma relação terapêutica, proporcionando um ambiente de empatia e confiança, e deste modo, ajudar os pacientes a desenvolverem, eles próprios, estratégias que lhe permitam conciliar o tratamento com suas atividades diárias, a manterem uma vida social o mais ativa possível, e, desta forma, promover uma melhor aceitação da sua condição e consequente adesão terapêutica. 2
IMPACTO EMOCIONAL E COMPORTAMENTAL
A entrada em hemodiálise está também associada a altos índices de ansiedade, depressão e sofrimento emocional. A incerteza quanto ao futuro, as restrições impostas pelo tratamento e o medo de complicações, contribuem para um sofrimento psicológico considerável dos pacientes.
As mudanças físicas decorrentes da hemodiálise, como a presença de uma fístula arteriovenosa ou um CVC, são outros fatores que podem também afetar negativamente a autoimagem e a autoestima dos pacientes. Sentimentos como inadequação e vergonha podem surgir, dificultando mais uma vez a interação social e levando ao isolamento.

Estudos indicam que cerca de 40% dos pacientes em diálise apresentam sintomas depressivos (Cukor et al., 2020). Isto pode levar a um desinteresse pelo tratamento, a uma fadiga extrema em que o paciente demonstra desmotivação em interagir ou realizar atividades diárias, alterações do sono e até, em situações extremas, ideias suicidas.

Em alguns casos, essa carga emocional pode também manifestar-se em comportamentos agressivos, verbais e/ou físicos, dirigidos a familiares, profissionais de saúde ou, até, outros utentes. Esta agressividade pode ser um reflexo da frustração, do medo ou da falta de controle sobre a própria condição, experiências traumáticas anteriores, ou até, estar relacionada com conflitos pessoais não resolvidos (problemas familiares, laborais, financeiros…).
PAPEL DO ENFERMEIRO NA HEMODIÁLISE
O enfermeiro de hemodiálise tem um papel crucial, tendo inúmeras responsabilidades.
É responsável pela preparação e manutenção do equipamento (assegura a correta montagem do CEC e a preparação do banho de diálise, certifica-se do bom funcionamento da máquina de hemodiálise e configura a estratégia de acordo com a prescrição médica).
É responsável pela avaliação e monitorização do paciente (verificando sinais vitais, peso e estado geral e, a sua reação ao tratamento, identificando possíveis complicações e reações adversas, tais como, hipotensão, caimbras, alterações cardíacas).
E é, também, responsável pelo registo de todas as informações no processo clínico de maneira a garantir a continuidade dos cuidados.

Cabe ao enfermeiro fazer, de maneira sistematizada, a avaliação e monitorização do acesso (fístula arterio-venosa, prótese ou cateter venoso central), sendo ele o primeiro a identificar sinais de complicações como trombose, infecção ou hemostáses difíceis.
O enfermeiro é responsável pela punção da fístula, assim como, a conexão e desconexão dos CVC. Também faz parte das suas responsabilidades a preparação e administração de medicação intra-dialítica como a heparina, eritropoetina, ferro, antibióticos e suplementos vitamínicos. Além disso, deve monitorizar possíveis reações adversas à mesma, intervindo sempre que necessário.
Como parte de uma equipa multidisciplinar, apresenta-se também como um mediador, facilitando a comunicação entre médicos, nutricionista, assistente social e outros profissionais de modo a garantir um atendimento integrado e holístico, otimizando a eficácia do tratamento.
O enfermeiro desempenha ainda um papel fundamental na educação e orientação do paciente, esclarecendo sobre a importância da adesão ao tratamento, os cuidados a ter com a alimentação, a importância do controle na ingestão de líquidos e cumprimento da medicação prescrita. Além disso, faz ensinos sobre os cuidados a ter com o acesso vascular para prevenir infecções e outras complicações.
E, por fim, o enfermeiro tem um papel essencial no suporte emocional e social dos pacientes, promovendo acolhimento e bem-estar ao longo do tratamento.

Enquanto profissional de proximidade, acaba por ser o primeiro a identificar e gerir sinais de depressão e ansiedade. Estabelecer uma relação de confiança, dando espaço ao paciente para exprimir os seus medos e preocupações, esclarecer dúvidas sobre o tratamento e a maneira como o mesmo se processa e promover a partilha de experiências entre pacientes, são alguns exemplos práticos da intervenção que pode ser feita pelos enfermeiros.
Sempre que necessário, o mesmo deve ainda alertar a equipa multidisciplinar e encaminhar para apoio especializado.

Perante episódios de agressividade, o enfermeiro deve agir de forma a atenuar a situação. Deve manter a calma e o autocontrolo evitado agir de forma emocional e falar num tom de voz tranquilo e assertivo. Deve evitar sempre o confronto direto e valorizar os 4 sentimentos expressos pelo utente. Se o paciente estiver exaltado, deve procurar dar-lhe espaço para ele se acalmar antes de tentar resolver o problema. E deverá sempre informar a equipa de maneira a que, em conjunto, encontrem a melhor estratégia para lidar com a situação.
Depois do episódio, é importante perceber o que esteve na origem da reação do paciente e/ou o que está subjacente à mesma e, se haveria algo que poderia ter sido feito de maneira diferente. É importante conversar com o paciente de maneira a esclarecer a situação e reforçar a relação terapêutica, salientando que o objetivo é ajudá-lo e não puni-lo.
A agressividade dos pacientes em contexto de hemodiálise não deve ser vista como um ataque pessoal, mas sim como uma manifestação de sofrimento emocional e frustação. O enfermeiro, como profissional mais próximo do paciente, é muitas vezes alvo desse comportamento, por isso, é essencial que possua estratégias para gerir essas situações de forma eficaz e profissional.
CONCLUSÃO
A hemodiálise impacta profundamente a vida dos pacientes, afetando o seu estado emocional e as suas relações sociais. Nesse contexto, o enfermeiro desempenha um papel essencial na redução desses impactos, oferecendo suporte emocional, educacional e clínico. Um atendimento humanizado e acolhedor pode facilitar a adaptação do paciente ao tratamento, promovendo maior bem-estar e melhor qualidade de vida. 5

Referências
➢ Kammerer, J., Falkenbach, P., & Herzog, M. (2018). Cognitive behavioral therapy for dialysis patients. International Journal of Behavioral Medicine, 25(2), 245–259
➢ Finkelstein, F. O., & Finkelstein, S. H. (2019). Social and psychological factors in patients on hemodialysis. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, 14(4), 558–563
➢ Silva, D. S., Moreira, T. M. M., Bezerra, K. C. A., & Figueiredo, T. M. R. M. (2019). A atuação do enfermeiro na assistência humanizada ao paciente em hemodiálise. Revista Brasileira de Enfermagem, 72(6), 1632–1638
➢ Rosenberger, J., Rosenberger, E., & Fink, K. (2019). Patient education and adherence in hemodialysis. Kidney International Reports, 4(3), 375–382.
➢ Cukor, D., Ver Halen, N., & Asher, D. R. (2020). Psychosocial issues in chronic kidney disease patients. Journal of Nephrology, 33(1), 12–21
➢ Moura, D. J. S., Melo, G. M. A., Lopes, M. V. O., & Silva, V. M. (2020). A vivência emocional do paciente em hemodiálise: implicações para o cuidado de enfermagem. Revista de Enfermagem UFPE, 14(1), e242701.
➢ Sesso, R. C., Lopes, A. A., & Thomé, F. S. (2020). Chronic kidney disease epidemiology in Portugal. Portuguese Journal of Nephrology, 42(2), 247–256
➢ Sociedade Portuguesa de Nefrologia. (2023). Relatório anual do Registo Nacional da Doença Renal Crónica
